Vamos conhecer a Síndrome da Disfunção Cognitiva, doença semelhante ao Alzheimer que afeta humanos.
A Síndrome da Disfunção Cognitiva (SDC) é uma doença neurodegenerativa progressiva que pode ocorrer em cães e gatos e possui muitas semelhanças com a doença de Alzheimer em humanos. A principal característica é a redução progressiva das funções cognitivas, como aprendizagem, memória, percepção e consciência, sendo observada em cães acima de sete anos de idade. Alguns estudos descrevem uma prevalência variando de 14,2% a 68% em cães geriátricos. Gatos são afetados em idade mais avançada, sendo observada em cerca de 35% dos gatos acima de 11 anos de idade.
Morfologicamente, o que acontece é uma diminuição da massa cerebral principalmente no córtex frontal, além de outras alterações como o aumento do volume ventricular, espessamento meníngeo, alterações da bainha de mielina, acúmulo de macrófagos e perda de neurônios do hipocampo, que é uma região do cérebro responsável pela memória e capacidade de localização. Gatos idosos acometidos pela SDC também apresentam atrofia cerebral, perda neuronal, alargamento dos sulcos, diminuição do volume de matéria cinzenta e branca, embora de forma menos acentuada que nos cães.
Á nível bioquímico, ocorre um acúmulo de placas de proteína beta-amilóide, que é neurotóxica, levando a alterações inflamatórias, neurotoxicidade e estresse oxidativo. Nos caninos, se observa redução na função colinérgica e danos oxidativos, ao passo que em felinos, a atrofia do sistema colinérgico é mais marcada, sendo a deposição de proteína beta-amilóide menos evidente.
As alterações patológicas estruturais observadas no sistema nervoso central de cães portadores de SDC são semelhantes às lesões observadas em humanos com doença de Alzheimer, porém esta denominação não é aplicada para caracterizar a doença em animais, visto que estes, embora apresentem placas amiloides difusas, não desenvolvem os emaranhados neurofibrilares típicos (NFT) desta doença, observados no encéfalo humano. Contudo podem ser encontrados acúmulos de proteína hiperfosforilada, conhecida como proteína tau, que é um precursor de NFTs, pode ser encontrado.
Dentre os sinais clínicos mais característicos tem-se a desorientação, mudanças no comportamento com diminuição do interesse em interações sociais ou desenvolvimento de comportamentos dependentes. Além disso, alterações do ciclo sono/vigília, eliminações em locais impróprios, mudanças no nível de atividade, diminuição do apetite e aumento da ansiedade também costumam ser observados.
É importante entender que esta síndrome NÃO é uma consequência inevitável do envelhecimento em cães e gatos. Alguns animais idosos mostram apenas sinais leves, enquanto outros desenvolvem sinais mais severos, que podem incluir um declínio na consciência, resposta alterada a estímulos, déficits na aprendizagem e memória e redução na interação com os tutores, levando a uma redução da qualidade de vida.
Proporcionar aos cães e gatos idosos um enriquecimento ambiental, interação social, brincadeiras e treinamento cognitivo juntamente com uma base nutricional apropriada, contribui para a manutenção dos neurônios e, por consequência, da saúde do cérebro. Assim, a detecção e a intervenção precoce do problema pode retardar o declínio cognitivo, evitando complicações, aumentando a longevidade e melhorando o bem-estar do seu animal de estimação.
Existem algumas estratégias terapêuticas que podem ajudar na disfunção cognitiva em cães e gatos, a iniciar pela dieta e suplementos que podem reduzir os fatores de risco que contribuem para o envelhecimento do cérebro e o declínio cognitivo. É necessária uma abordagem holística para alcançar e manter a saúde cerebral, tais como dietas suplementadas com ácidos graxos polinsaturados, antioxidantes e cofatores mitocondriais.
Existe uma gama imensa de nutracêuticos e suplementos que podem auxiliar no tratamento da SDC em animais. Eles atuam como antioxidantes, antinflamatórios e imunomoduladores, normalizando os níveis de neurotransmissores, melhorando a cognição e a memória em caninos e felinos, Só para citar alguns, temos a PEA (Palmitoiletanolamida), a fosfatidilserina, a Gingko biloba, Bacopa Monnieri, vitaminas E, B6 e Resveratrol, que podem ser utilizados tanto em cães quanto em gatos. A vitamina C, L-carnitina, ácido alfa-lipóico, coenzima Q-10 e selênio, também são boas opções para cães. E ainda vários cogumelos medicinais, notadamente o Hericium (conhecido como “Juba de Leão), o Ganoderma (“Reishi”) e o Cordyceps Sinensis.
Abaixo, vamos explicar com um pouco mais de detalhes alguns deles:
PEA (Palmitoiletanolamida): Já falei sobre a PEA em outras ocasiões, inclusive no artigo sobre saúde ocular. No que se refere ao sistema nervoso, ela é capaz de modular a atividade das células gliais e dos mastócitos, sendo uma ferramenta terapêutica muito promissora para tratar distúrbios neurológicos. A PEA tem a capacidade de modular a reatividade dessas células, limitando a liberação de mediadores pró-inflamatórios e neurotóxicos e favorecendo a sobrevivência neuronal. Além disso, a PEA eleva os níveis de 2-AG (2-araquidonoilglicerol) cuja concentração diminui com a idade avançada, especialmente no hipocampo. A elevação do 2-AG no hipocampo melhora a plasticidade sináptica e o desempenho mnemônico e cognitivo.
Ácidos graxos polinsaturados (PUFA): Como o cérebro é muito vulnerável ao estresse oxidativo devido ao alto consumo de oxigênio (consome 20% do oxigênio total do corpo) e tendo em vista que no cérebro envelhecido, o excesso de geração de radicais livres leva à neuroinflamação, os ácidos graxos ômega 3 são bastante úteis, principalmente pelo EPA e DHA. Eles são importantes para a estruturação das membranas celulares dos neurônios e funções fisiológicas no cérebro.
Curcumina: Esse nutracêutico também já foi mencionado em outros artigos do meu Blog. Tem efeitos antinflamatório, antioxidante, citoprotetor, neutroprotetor e evita o aumento da proteína beta-amilóide. Reduz a degeneração dos neurônios e combate a inflamação da micróglia, que são as células do SNC responsáveis pela defesa imunológica.
Bacopa Monnieri: Trata-se de uma planta usada na medicina ayurvédica, com propriedades de tônico cerebral, entre outras. Estimula a memória e a clareza mental e tem benefícios para a atividade dos neuronal. Aumenta os níveis de acetilcolina, o que é útil para distúrbios cognitivos e atua sobre o GABA e a serotonina. Aumenta as conexões dendríticas entre os neurônios, repara sinapses e neurônios danificados. Além disso, melhora os impulsos nervosos e a memorização. Também aumenta o BDNF, que é um fator neurotrófico de grande importância sobre a neuroplasticidade, por promover a sobrevivência e a diferenciação neuronal, além de estimular a regeneração neuronal. Também é capaz de reduz a deposição de substância beta amiloide e aumentar o fluxo sanguíneo cerebral.
Fosfatidilserina: fosfolipídeo que faz parte da membrana celular, facilitando o funcionamento normal das membranas celulares dos neurônios e influenciando vários neurotransmissores. A suplementação de fosfatidilserina pode reduzir a perda de memória e a evolução da SDC.
Ginko Biloba: Inibe a apoptose induzida pelas proteínas beta-amilóides no hipocampo, atuando como neuroprotetor, melhorando o metabolismo mitocondrial e produção de ATP. Também atua ativando fatores antiplaquetários e aprimorando a cognição e memória.
Resveratrol: Possui efeitos antioxidantes, antinflamatórios, além de melhorar a função mitocondrial e agir como neuroprotetor, prevenindo a perda de memória.
Triglicerídeos de cadeia média (TCM): estudos mostram que a suplementação de longo prazo com TCMs, como o óleo de côco, melhoraram a função cognitiva em cães idosos. Eles melhoram a função mitocondrial e a aumentam produção de ATP (energia), além de reduzir a deposição de proteínas beta-amilóides.
Conclui-se, então, que embora uma alta porcentagem de cães e gatos idosos possam ser acometidos pela SDC, existem vários nutracêuticos que, aliados a um estilo de vida saudável, com exercícios físicos, podem auxiliar na prevenção e tratamento, melhorando ou restaurando a cognição e a memória. Mas atenção! Os nutracêuticos e demais suplementos, bem como todo e qualquer medicamento para o seu pet, devem ser prescritos por um médico veterinário, pois existem doses corretas e medicamentos mais adequados para cada paciente!
Referências:
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